Soft landing não basta: internacionalização sustentável começa antes do embarque.
A internacionalização das startups brasileiras cresceu em visibilidade, mas ainda não em eficácia. Multiplicam-se as missões, delegações e programas de soft landing, mas os resultados que realmente se sustentam no tempo continuam sendo raros. Não é falta de oportunidade, e sim falta de preparo. Ainda tratamos internacionalização como um momento específico da jornada, normalmente a escala, quando, na verdade, ela deveria começar muito antes do embarque.
Em ecossistemas de inovação mais maduros, o mindset global nasce junto com a startup (Born Globals), independentemente do tamanho ou faturamento. E isso, não significa sair exportando prematuramente, mas aprender desde cedo a pensar no produto, operação e posicionamento com horizonte além das fronteiras nacionais. A considerar que as startups não estão apenas concorrendo com empresas brasileiras, mas também com soluções que vêm do mundo todo.
Dados reforçam esse descompasso. Segundo o Startup Genome Global Report 2023, mais de 60% das startups que participam de missões internacionais não geram negócios recorrentes após seis meses, justamente por falta de prontidão estratégica. A OECD, em seu Startup Internationalisation Review (2022), aponta que a presença física em outro país é menos determinante para o sucesso do que a capacidade operacional remota e a clareza de modelo de entrada. No Brasil, levantamento da ABStartups e Sebrae (2023) revelou que apenas 7% das startups exportam com recorrência, mesmo com crescimento expressivo no volume de programas e editais voltados à expansão internacional. Basicamente estamos investindo na vitrine sem reforçar o estoque.
O ecossistema tem feito sua parte em termos de abertura de portas. De um lado, entidades públicas constroem pontes institucionais, subsidiam participações e criam programas de soft landing. De outro, aceleradoras privadas e consultorias se aproximam diretamente de clientes e investidores. Existem ainda iniciativas híbridas que combinam estrutura estatal com agilidade privada. Mas, apesar de termos avançado na exposição, ainda não consolidamos a educação internacionalizada. Seguimos celebrando o embarque quando deveríamos celebrar a prontidão e a efetividade do processo.
Modelos como o Start-Up Chile e a política de inovação da Estônia mostram que missões e soft landings funcionam apenas quando precedidos por formação estratégica obrigatória e seguidos por acompanhamento com metas comerciais claras. Só embarca quem já domina o próprio posicionamento global, e todo deslocamento é seguido de acompanhamento com metas claras de negócio.
Se quisermos construir uma cultura verdadeira de exportação das tecnologias e inovações brasileiras, fazendo com que sejam percebidas e competitivas no mercado global, precisamos transformar a internacionalização em método e processo. Isso exige formação estratégica desde a base, critérios objetivos de readiness para seleção e acompanhamento pós-missão com indicadores reais,contratos, leads, parcerias ou presença operacional. As startups precisam parar de esperar o convite para começar a pensar global. As entidades de apoio precisam entender que missão não é ponto de partida, é checkpoint. E os investidores e formuladores de política precisam atrelar incentivo à capacidade de execução, não exclusivamente à presença física em feiras e eventos.
O convite e a provocação estão sendo feitos ao ecossistema: que missões e soft landings deixem de ser vitrines e se tornem apenas um dos capítulos de uma jornada bem estruturada. Internacionalizar não precisa ser mais difícil, apenas mais responsável. Se quisermos startups globais de verdade, não precisamos de mais carimbos no passaporte. Precisamos de competências antes do embarque.
Referências e links:
Startup Genome Global Report 2023 : https://startupgenome.com/report
OECD Startup Internationalisation Policy Review (2022): https://www.oecd.org/sti/internationalisation-of-young-firms.htm
Estudo Sebrae/ABStartups “Barreiras à Exportação de Startups”: https://abstartups.com.br/ (seção publicações)
Observatório Sebrae Startups : Startups Report Brasil 2023:startups-report-brasil-2023.pdf
ApexBrasil – Startups brasileiras ganham tração no mercado global em missões de internacionalização:Startups brasileiras ganham tração no mercado global em missões de nternacionalização

Mariane Campos Martins
Colunista ABStartups

